Envergonhadamente co(n)vidado: Desconstruindo a vergonha e a culpa na infeção por Covid-19

Nos tempos que correm mesmo com a vacinação completa e a dose de reforço, testando ou não frequentemente, não se está livre do contágio, de ser portador do vírus e de transmitir a infeção. Por isso e apesar dos cuidados praticados ser infetado pelo coronavírus não deve ser motivo para sentir culpa ou vergonha.
 
Cada vez parece mais difícil manter uma vida ativa e evitar a infeção tal é a propagação rápida da infeção por esta nova variante em que só na semana do último natal foram infetadas em todo o mundo cerca de 5 milhões de pessoas.
 
Um pouco por todo lado e nos mais diferentes contextos, na família, no trabalho, na escola, no desporto, sucedem-se novos casos de contágio, compreendendo-se que esta nova variante do vírus tem-se sobreposto à variante anterior revelando-se muito mais transmissível, afirmando-se felizmente de menor severidade.
 
Na condição de passar a testar positivo para o coronavírus a tendência é ficar à mercê de algum tipo de stress familiar e profissional, considerando-se responsável e receando o risco de contágios e das suas consequências na família, no trabalho e com amigos.
 
Infelizmente é com relativa facilidade que assiste-se ainda a julgamentos negativos de outras pessoas por terem sido infetadas e contagiaram outras, o que contribui para o desenvolvimento de culpa e vergonha como se não bastasse a preocupação e os medos que o infetado tem sobre si e sobre os outros.
 
Quer seja mais focada na avaliação de si próprio quer seja mais focada no comportamento, a vergonha e a culpa são emoções sociais negativas auto-conscientes que pertencem ao sistema moral e motivacional das pessoas e que também dependem da avaliação de outros.
 
Ambas as emoções causam sofrimento intrapsíquico desencadeando uma multiplicidade de sentimentos negativos como a desvalorização, a inferioridade, a impotência, a inadequação, bem como a tensão, o remorso e o arrependimento.
 
Não é comum apreciar-se a presença e intensidade destes sentimentos e julgamentos quando falamos de outras infeções respiratórias como a gripe, por exemplo. Mas de tanto ouvir falar sobre o impacto negativo do Covid, favorece-se o medo e o preconceito com a doença e com as pessoas que dela padecem.
 
Quando se percebe infetado surge uma cognição fácil de que alguma coisa de errado a pessoa terá feito para não evitar o contágio, o que frequentemente conduz ao constrangimento, à vergonha e à culpa.
 
Mas sentir culpa e vergonha por contrair o vírus não traz nada de construtivo nem contribui para a recuperação física e psicológica na doença. É especialmente proveitoso estar atento e procurar evitar os afetos e sentimentos negativos que são geradores de tensão e causam desprazer pressionando o funcionamento psíquico do individuo.
 
Contudo não é estranho percecionar o peso da responsabilidade e da culpa quando a pessoa fica infetada e ainda transmite a doença a familiares, amigos ou colegas, tendendo a culpa a agravar quando se antecipam ou observam consequências mais severas nas pessoas próximas afetadas.
 
É fundamental lembrar que a culpa não é realmente da pessoa. A culpa é do vírus. Neste particular importa desenvolver empatia pelo sofrimento dos outros e reconhecer que não existe intenção de contagiar.
 
É essencial desenvolver a auto-consciência, reconhecendo as emoções e não validar os julgamentos. O que mais importa é procurar o bem-estar próprio e das pessoas com quem convive. Refletir sobre as emoções negativas, contextualizando-as é em si lidar com o problema ficando em melhor posição para o superar.
 
A falta de reconhecimento e aceitação tende a dificultar a resposta adaptativa podendo conduzir a alterações de humor, do comportamento ou reações psicossomáticas. Pelo contrário a superação da vergonha e da culpa conduz à homeostase e felicidade, à saúde física e mental.
 
A auto-aceitação que implica a constatação sobre a possibilidade de falhar na prevenção ou evitamento do contágio sem que isso danifique a auto-estima e o valor próprio é muito importante.
 
Torna-se fundamental colaborar ativamente com os protocolos de saúde estabelecidos de modo a evitar que a vergonha e a culpa limitem a comunicação necessária e aumentem o risco de propagação, adiando a identificação e inibição das cadeias de contágio, e consequentemente também agravem os sentimentos negativos.
 
Ajuda muito assumir uma atitude positiva face à doença e recuperação, praticando os cuidados necessários para a melhoria e acrescentando pequenas mudanças de hábitos mais positivos.
 
Independentemente dos cuidados praticados retirar lições da experiência vivenciada oferece-se como um fator de proteção para riscos futuros. Refletir no sentido de não se recriminar destrutivamente mas repensar novas oportunidades para a melhoria é uma valiosa aprendizagem.
 
A constatação que não podemos controlar o que os outros pensam ou fazem, alivia a ansiedade que resulta da frustração sobre as expectativas não alcançadas. Tendo isso em conta não deve validar nem sujeitar-se aos juízos desfavoráveis, evitando assim manter-se numa comunicação negativa.
 
Não desvalorizando os cuidados necessários é bom saber que o teste positivo não significa que as pessoas sejam irresponsáveis. Por cá e a um ritmo médio de 40000 novos casos diários nesta última semana, vem sendo cada vez mais comum e mais difícil evitar a infeção, estando muito longe de ter de enfrentar o problema sozinho.
 
Reconhecer e partilhar sobre os sentimentos negativos favorece muito a gestão da culpa, da vergonha, combate o isolamento, a ansiedade, a irritabilidade e a depressão.
 
Se identificamos a amplificação destes sentimentos negativos e alterações do humor e/ou do comportamento é importante procurar ajuda psicológica. Faz sempre bem falar com alguém que pode ajudar.

Nuno Moura

Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta

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